quinta-feira, 27 de maio de 2010

Peterson Martins

Rochele Kalini
Rosanne Bezerra de Araujo
Rosiane Mariano
Valeska Limeira Azevedo Gomes

Afonso Henrique Fávero
Aldinida Medeiros Souza
Andreia Maria Braz da Silva
Andrey Pereira de Oliveira
Antônio Fernandes de Medeiros Jr
Arandi Robson Martins Câmara
Bethânia Lima Silva
Carmela Carolina Alves de Carvalho
Cássia de Fátima Matos
Daniel de Hollanda Cavalcanti Piñeiro
Edlena da Silva Pinheiro
Eldio Pinto da Silva
Jackeline Rebouças Oliveira
Joana Leopoldina de Melo Oliveira
Kalina Naro Guimarães
Lígia Mychelle de Melo
Mácio Alves de Medeiros
Marcel Lúcio Matias Ribeiro
Marcos Falchero Falleiros
Maria do Perpétuo Socorro Guterres de Souza




Peterson Martins [27-5-2010]

Edição: Martins, 1971:
da p. 169 : [começo de: 4. A laicização da inteligência]
" Em 1771 alguns médicos do Rio fundaram uma Academia"[...]
até a p. 172 :[...] "a fonte da desgraça:
Os tiranos da pátria assoladores
Do povo desgraçado, são flagelos
Que envia ao mundo a cólera celeste. "



O texto de Antônio Candido se inicia mapeando os primeiros passos da laicização da educação brasileira, pois até o séc.XVIII o pensamento que vigorava era o escolástico dentro, sobretudo, do sistema educacional dos jesuítas.


O marco dessa transformação será, indiscutivelmente, a expulsão do Brasil da Ordem de Santo Inácio de Loyola em 1759. Esse foi um dos pontos mais polêmicos das reformas do Marquês de Pombal (ministro português que durante o reinado de D.José I terá poderes absolutos). O referido ministro adquiriu grande importância e status quando através de sua perspicácia administrativa ajudou a soerguer Portugal (e, sobretudo Lisboa que havia sido completamente destruída no terremoto de 1755) adotando vários princípios ilustrados que terminaram conferindo ao monarca português uma configuração de déspota esclarecido.


Continuando no desenvolvimento de seu ponto de vista, Candido aponta que a criação das academias científicas, inicialmente no Rio de Janeiro, na segunda metade do século XVIII, será o berço de propagação não só dos ideais estéticos árcades, mas também do ideário filosófico francês em um ciclo ilustrado que irá se opor frontalmente aos excessos do Cultismo Barroco e da rigidez do pensamento contra-reformista.


Contudo, o próprio Candido relativiza essa participação do Alvarenga na Inconfidência Mineira (1789) e na improvável “Conjuração” Carioca (1794), em um movimento contrário ao dos historiadores da primeira República que, na ânsia de criar seus heróis precursores, terminaram colocando o poeta carioca e professor régio de retórica como um grande articulador inconfidente que tramava deliberadamente a independência do Brasil. Sabe-se que, como o próprio Candido (2007, p.179) aponta, os encontros que passaram a ocorrer na própria casa do Silva Alvarenga (depois do fechamento da Sociedade Literária pelo Vice-Rei conde de Rezende) não tinham caráter sedioso e conspiratório (tal como afirmavam os denunciantes), mas sim o de expor reservadamente o descontentamento com o estado em que o país se encontrava na época, além de manifestações de admiração e apreço pelas reformas e ideais lançados pela Revolução Francesa.

O pior erro que eles cometeram foi o que alguns dos integrantes deste grupo, inadvertidamente, fizeram: alguns comentários em público, que foram usados por seus desafetos para pedirem a cabeça dos prováveis “conspiradores”. É difícil uma filiação histórica do referido grupo como idealizadores da Conjuração Carioca, porque a vinculação à estética árcade, como refere Bosi (1997, p. 257), tinha um duplo aspecto em seus ideais: o poético, caracterizado pela junção da natureza aos estados anímicos do ser humano refletidos através dos traços clássico; e o ideológico, que propunha um alinhamento crítico da burguesia ao excessos e abusos da nobreza (sendo chamado esse aspecto de Ilustração).


Como esclarecimento ao espírito da época, temos o trabalho de Guilherme Pereira das Neves (historiador da UFF) que em Rebeldia, intriga e temor no Rio de Janeiro de 1794, fornece importantes esclarecimentos. O primeiro ponto que elucida é quanto ao estado de ânimo da coroa portuguesa em relação a suas colônias, principalmente no período em que a Revolução Francesa entrava em seu período mais sanguinário guilhotinando os seus monarcas. A repressão à literatura iluminista terá seu início, em terras lusitanas, quando José de Seabra da Silva, em 1787, dirige-se à Real Mesa da Comissão Geral do Exame e Censura dos Livros, queixando-se da tolerância da referida instituição a certas obras estrangeiras que “confundiam a liberdade e felicidade das nações com ímpetos grosseiros dos ignorantes, desassossegavam o povo rude, perturbavam a paz pública e procuravam a ruína dos governos”. Pouco depois a soberana D.Maria é acometida de doença mental, fato este que termina colocando D. João (um dos opositores do Marquês de Pombal) à frente dos negócios da coroa. Associado a isso, tem-se notícias da revolta dos escravos de São Domingos, em 1791.

De tal feita, esses acontecimentos, como atestou, em 1798, o governador português na Bahia, Fernando José, contribuíram para uma maior rigidez no processo contra os inconfidentes mineiros, visto que absolutamente não foi encontrado nenhum depósito de armas que configurasse uma movimentação de revolta armada. O segundo ponto é que, na improvável “conjuração” carioca, a implicação de Silva Alvarenga, tenha sido mais a de uma motivação particular de seu denunciante, o frade franciscano Raimundo Penafiel, que se sentiu atingido em sátiras mordazes do poeta. E, mesmo assim, o referido frade não o acusou formalmente, segundo consta nos autos da devassa carioca, de conjurador mas sim de menosprezo à fé católica.

Na realidade, segundo a pesquisa de Neves, o que motivou intrinsecamente a desavença entre Alvarenga e Penafiel, foi uma tensão instaurada quando foi criada, através das reformas pombalinas, a figura do “professor régio” em substituição aos professores clericais do ensino escolástico colonial. Essa disputa ficará bem patente quando os mestres régios Silva Alvarenga e João Marques Pinto escrevem à rainha denunciando a situação desfavorável em que estavam exercendo suas funções no Rio de Janeiro. Na referida carta, conforme a pesquisadora Anita Correia Lima de Almeida, os dois professores apontam que somente eles poderiam garantir uma educação mais moderna em contraposição a uma educação formada no claustro e conduzida “por aqueles que professam o desprezo dos objetos temporais”. Uma das principais queixas que os citados mestres régios fazem é a de que os religiosos beneditinos e franciscanos estavam “arrancando industriosamente” seus alunos de suas aulas; e, diante disso, nem mesmo o vice-rei (Conde de Resende) manifestava-se em apoio a eles, mas de forma contrária, terminava endossando a atitude dos referidos religiosos, pois realizariam essa empresa “em consideração ao Reverendíssimo Bispo”. Com isso, percebe-se, na época de Alvarenga, o profundo desprestígio que sofriam as instituições laicas de ensino régio nas colônias, diante das escolas religiosas.

O duro percurso que os academicistas cariocas estavam sofrendo ficaria ainda pior com a prisão de Alvarenga e de seus companheiros da Sociedade Literária Carioca como prováveis conspiradores. Contudo, depois de dois anos presos, seguidos de provas inconclusas e acusações inconsistentes, os acusados de conspiração foram postos em liberdade. Nessa ocasião, é interessante citarmos a carta de gratidão que Alvarenga endereçou ao seu defensor D. Rodrigo em Lisboa, conforme publicação, em 1902, na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro:


Tendo eu a felicidade e honra de ser contemporâneo de V. Exª. na Universidade de Coimbra, devia ser o primeiro que destas remotas províncias mostrasse a V. Exª. o justo prazer que senti na minha alma, sabendo que Sua Majestade confiara das brilhantes virtudes de V. Exª. a administração dos importantes negócios ultramarinos; mas a intriga e a calúnia, que me sepultaram incomunicável na mais obscura prisão, deram motivo a que eu não pudesse expressar a minha alegria, sem que fosse acompanhada de sincero agradecimento que devo a V. Exª. pelo benefício da minha liberdade (...).
Conhecer de tão longe a cabala; arruinar os seus projetos; prevenir as funestas conseqüências e fazer triunfar a verdade e a inocência é o ponto mais delicado na arte de governar os homens.
Este dom precioso nos concede o Céu em V. Exª., e o fiel vassalo, a mil e mil léguas distante do Real Trono, conhece cheio de amor e gratidão que a sua fortuna, o seu estado e a sua vida não são objetos indiferentes na balança do vigilante Ministro. Levantado, ou para melhor dizer ressucitado por V. Exª., tenho todo o direito de me julgar criatura sua (...).
Deus guarde a V. Exª. para aumento e felicidade de Portugal e suas colônias.


Assim, fica tácita a não intencionalidade conspiratória de Alvarenga e seus confrades da sociedade; e, tal como identifica Candido (2007, p.181), o poeta de O desertor vincula-se ao pombalismo não como “adulador” ou “caudatário”, mas como a de um “autêntico ilustrado”, extremamente convicto de seu estilo e princípios árcades.

2 comentários:

Anônimo disse...

comentário de Joana Leopoldina [12-6-2010]
O trecho descrito por Peterson foi muito bem exposto, com pesquisas em outros textos, inclusive de historiadores. O principal ponto tratado nessa parte é o início da laicização da inteligência, ou seja, quando a educação no Brasil começa a ser retirada das mãos dos jesuítas (ou das mãos da igreja). Antonio Candido destaca a importante atuação de Silva Alvarenga nesse período em que os intelectuais estão descontentes com o governo e deslumbrados com a Revolução Francesa. Alvarenga reunia-se com alguns outros em sua casa para discutir os pensamentos ilustrados que incluíam, principalmente, a “filosofia natural” que buscava aplicar os seus resultados para a melhoria da sociedade e também o interesse pelas “ciências morais” e as letras. Além disso, o poeta alia-se às reformas pombalinas, não como um “adulador”, mas porque o pombalismo se caracterizava com o movimento dos ilustrados do qual Silva Alvarenga era o mais ativo e convicto, segundo Candido.

Anônimo disse...

Comentário de Rochele Kalini [12-6-2010]:
Interessante o comentário de Peterson sobre a laicização da inteligência. O ponto que mais chamou a atenção, para mim, foi a substituição do “professor clerical” pelo “professor régio”. A carta da pesquisadora Anita Correia Lima, citada por Peterson, aponta a garantia de uma educação moderna por parte do professor régio “em contraposição a uma educação formada no claustro e conduzida por aqueles que professam o desprezo dos objetos temporais”. Ao lermos essa passagem sobre a questão da substituição do pensamento religioso, nos vem à memória a construção do ideal ascético na figura do padre mostrado por Nietzsche em seu livro A genealogia da moral . Para o filósofo alemão, esse sacerdote surge como o predestinado salvador, pastor e advogado do seu rebanho. Nietzsche (1983, p.300) elucida que esse padre ascético é anunciador de uma pretensa felicidade regendo tudo com maestria. Ele próprio, o sacerdote, precisa encarnar aquilo que o filósofo chama de “doença” para poder dominar os “ sofredores”. Ao mesmo tempo em que encarna a sua própria “doença”, promulga uma “vida além dessa”. Para esses, essa existência serviria apenas de ponte. Com isso, pregavam a descrença nessa existência e a valoração em um Deus absoluto. Dotado de uma retórica baseada em dogmas, esse sacerdote enquadra o homem em uma ordem religiosa, tolhendo sua liberdade e sua vontade de poder. Essa vontade no homem, que tem seus primeiros passos no Renascimento, o arrancaria de sua crença no externo e o faria valorar a si mesmo. O homem passa a crer em si, a esse pensamento Nietzsche chamou de nobre: A alma tem reverência por si mesma ( § 287, além do bem e do mal ).