domingo, 28 de novembro de 2010

Andrey Pereira de Oliveira


Antônio Fernandes de Medeiros Jr
Arandi Robson Martins Câmara
Bethânia Lima Silva
Carmela Carolina Alves de Carvalho
Cássia de Fátima Matos
Daniel de Hollanda Cavalcanti Piñeiro
Edlena da Silva Pinheiro
Eldio Pinto da Silva
Elizabete Maria Álvares dos Santos
Jackeline Rebouças Oliveira
Joana Leopoldina de Melo Oliveira
Kalina Naro Guimarães
Lígia Mychelle de Melo
Mácio Alves de Medeiros
Marcela Ribeiro
Marcel Lúcio Matias Ribeiro
Marcos Falchero Falleiros
Maria Aparecida da Costa Gonçalves Ferreira
Maria do Perpétuo Socorro Guterres de Souza
Massimo Pinna
Peterson Martins
Rochele Kalini
Rosanne Bezerra de Araujo
Rosiane Mariano
Valeska Limeira Azevedo Gomes

Afonso Henrique Fávero
Aldinida Medeiros Souza
Andreia Maria Braz da Silva




Andrey Pereira de Oliveira [27-11-2010]:


Edição: Martins, 1971
da p. 195: “Em nossos dias, porém, gostamos de rastrear, nessa fase tão maciçamente
neoclássica” [...]
até a p. 197: [...] “com entremeios de naturismo, que a aproximam da linha nativista
da nossa literatura”





Edição: Itatiaia, 1981:

Neste passo da Formação, Candido inicia seus comentários acerca de um conjunto de epígonos que seguiu à geração dos escritores que representara o “ponto máximo da contribuição brasileira ao Arcadismo”. Este novo conjunto, por sua vez, está envolto por uma onda de estagnação e declínio das nossas letras. São autores de nível secundário cuja pena está longe de se destacar pela vitalidade criadora. Mais do que pré-românticos, anunciadores de “novos estilos que correspondessem melhor à nova etapa da nossa história social e mental”, são árcades atrasados e bolorentos, meros diluidores dos procedimentos estéticos que nas mãos de verdadeiros poetas como Basílio da Gama ou Gonzaga haviam resultado nas grandes obras do nosso Arcadismo. Sem a necessária força poética, essa nova geração acomodou-se aos padrões dominantes já desvitalizados, realizando obras tão medíocres quanto o público que, também acomodado à rotina, cercava-a.


É nesse contexto que surgem as produções de Francisco Vilela Barbosa, José Bonifácio, José Elói Ottoni e Frei Francisco de São Carlos. Vilela Barbosa, autor de Poemas (1794), é, segundo Candido, o que mais se ateve à tradição. Sua obra foi composta na mocidade e deu continuidade aos “tons leves e graciosos da Arcádia”. Com ele, inaugura-se uma longa série de “poetas-estadistas”, ou seja, escritores cuja fama deriva de outras áreas que não a literatura. Em comum, tais poetas, cujo trato do verso distingue-se pela superficialidade e elegância, não têm dificuldades para satisfazer ao gosto médio de um público de “moderadas necessidades poéticas”. [Estes poetas parecem ter levado a sério demais o anseio greco-latino da aurea mediocritas!!!]


O segundo poeta a alvo das considerações de Antonio Candido é José Bonifácio de Andrada e Silva, o famoso Patriarca da Independência. De acordo com o autor da Formação, o talento do Bonifácio estadista e homem de ciência destoava radicalmente da mediocridade do Bonifácio poeta. Este poeta-estadista, que assinava seus versos com o pseudônimo Américo Elísio, teve sua produção recolhida apenas em 1825, no volume intitulado Poesias avulsas. Além de autor de versos ruins, José Bonifácio praticou o exercício da tradução, atividade em que, segundo depreendemos dos comentários de Candido, alcançou mais êxito. (Observe-se nesse sentido, que os comentários de Candido tratam mais do seu trabalho de tradução que do seu trabalho poético propriamente dito). Nessa atividade de tradução, verteu para o português criações de poetas helênicos como Hesíodo, Píndaro e Meleagro, e ingleses, como Young e Macpherson. Enquanto o primeiro conjunto de poetas traduzidos acusa a preocupação arqueológica do escritor brasileiro, o segundo conjunto aponta para seu contato com as tonalidades do pré-romantismo inglês, que, de acordo com Candido, não deixou quaisquer vestígios em sua própria produção poética. No fim das contas, a personalidade poética de Américo Elísio ficou mesmo marcada por traços neoclássicos, tanto por estar envolto no ambiente arcádico quanto por empreender a “busca de uma Grécia mais autêntica, ou pelo menos vitalizada, na segunda metade do século XVIII e começo do XIX”, fato que se evidencia, acima de tudo, em suas traduções dos poetas gregos.


Já José Elói Ottoni, diferentemente dos dois autores anteriormente citados, deve a sua fama exclusivamente ao trabalho de escrita, seja como poeta no sentido estrito do termo, seja como autor de textos religiosos. Sua produção poética divide-se em duas fases, que têm como marco divisor a crise religiosa por que foi acometido por volta de 1808. Segundo Candido, a poesia de Ottoni foi fruto de uma vocação mais premente do que a que guiou as obras de Vilela Barbosa e José Bonifácio. Sua primeira fase caracteriza-se pela influência de Gonzaga, o que lhe rendeu uma elaboração poética árcade “elegante e mediana”. Em virtude de sua musicalidade, aproxima-se de Bocage e Silva Alvarenga. Todavia, em seus textos, a musicalidade apresenta-se como premonitória; seus versos soam como “antepassados diretos da melodia e o vocabulário romântico”, de acordo com o comentário bastante positivo de Candido, que ainda completa que tais versos representam “um momento de acentuado modernismo onde se prefigura, mais que o ritmo, o próprio imaginário do Romantismo”. (Cabe precisar que, com o termo “modernismo”, Candido quer ressaltar a sensibilidade de Ottoni para antever as necessidades expressionais de um estilo dominado pela musicalidade que marcaria o Romantismo que ainda mal se anunciava). No que concerne à segunda fase da poesia de Ottoni, a sua poesia de sugestões sagradas, Candido destaca suas versões dos Provérbios atribuídos a Salomão e do Livro de Jó.


Na seqüência, o autor da Formação trata da obra de frei Francisco de São Carlos, que situa numa posição ainda mais precária que a dos três poetas acima referidos. Sua poesia retoma, mediocremente, a linha nativista de nossa poesia.


[Digressão 1: na página 196, Candido afirma que “os limites de uma tendência estética podem ser apreciados com vantagem nos cultores secundários”. Isto significa que, como os autores epígonos, carentes de criatividade própria, limitam-se a imitar os traços mais medianos de cada época estética, suas obras passam a ser um repertório mediocremente hipertrofiado das tendências de sua época, o que acaba por fornecer aos estudiosos uma excelente chave para penetrar as linhas de força dos períodos. Esta mesma posição crítica era demonstrada no ensaio “Da vingança”, que desenvolve uma análise magistral do romance O conde de Monte Cristo, de Alexandre Dumas. Neste ensaio, publicado primeiramente em 1952 e que está disponível no livro Tese e antítese, podemos ler: “No estudo de Tristão de Ataíde (Alceu Amoroso Lima) sobre Afonso Arinos, há uma citação de Saintsbury, a propósito dos escritores menores, ‘que nos dão, com muito mais segurança do que os grandes, a chave de uma literatura.”]


[Digressão 2: Breves comentários sobre a poesia de José Bonifácio: antes de sua configuração no Romantismo propriamente dito – que se inicia nos anos 30, mas só atinge um alto grau estético a partir de meados da década seguinte, com Gonçalves Dias – a mentalidade nacionalista já se faz perceber em alguns autores considerados pela historiografia literária como pertencentes a uma fase pré-romântica do Arcadismo, cuja produção, realizada entre 1808 e 1836, exprime claramente – em virtude de ser contemporânea do movimento da independência e de alguns de seus escritores serem homens ligados diretamente à cena política – um tom combativo de teor nacionalista, libertário e antilusitano, que difere da produção de teor nativista de celebração da natureza realizada pelos árcades neoclássicos ainda alinhados ideológica e esteticamente às normas da colonização. Parte da produção pré-romântica caracteriza-se, portanto, por ser uma manifestação literária de forte motivação política, cuja qualidade estética, no entanto, hesitante entre as tendências antigas e modernas, é quase sempre desprezível.

O caso de José Bonifácio de Andrada e Silva é certamente um dos mais exemplares para se avaliar as relações entre a vida política e a produção cultural nos tempos da Independência. Personagem histórico aclamado como o “Patriarca da Independência” por suas ações políticas fundamentais ao movimento de emancipação, como poeta, fez publicar na França, em 1825, sua coleção de poesias com o título Poesias avulsas de Américo Elísio. Já neste pseudônimo adotado, o autor deixa transparecer tanto o tributo rendido ao mestre português Filinto Elísio – e, por conseguinte, à estética árcade – quanto sua preocupação com as questões americanas. Nas composições deste livro, bem como nas produzidas posteriormente, é sua postura clássica que impera, desde a temática até às estruturas poemáticas tradicionalistas e ortodoxas consagradas pelos árcades, além das traduções de Hesíodo, Píndaro e Vergílio. Desligados da temática – mas não da forma – clássica, e de inspiração cristã, aparecem suas paráfrases bíblicas bem como o poema “A criação”, no qual o poeta não se priva das alusões mitológicas. De mais moderno, apenas a tradução de dois fragmentos de Ossian, que estava em voga na Europa e constituiu figura importante nos albores do Romantismo.

Ao lado destas peças tematicamente clássicas ou religiosas, todavia, há algumas outras menos abstratas e que acusam o engajamento político do autor. Escritos em seu exílio na França após ter sido preso e obrigado a deixar o país por ter-se indisposto com o imperador durante o processo constituinte de 1823, os poemas “Ode aos baianos” e “O poeta desterrado” são os dois textos literários de mais forte inspiração política, nacionalista e antilusitana de José Bonifácio. Na “Ode aos baianos”, além de exaltar a coragem e o patriotismo dos baianos que, a despeito da situação adversa, tinham-no eleito deputado, Bonifácio exprime seu rancor pelos desdobramentos dos acontecimentos políticos que, após seus serviços em prol da independência do país, tiraram-no do poder e o obrigaram ao desterro:

“Amei a liberdade, e a independência/ Da doce cara pátria, a quem o luso/ Oprimia sem dó, com riso e mofa –/ Eis o meu crime todo./ (...) / Os teus baianos, nobres e briosos,/ Gratos serão a quem lhes deu socorro/ Contra o bárbaro luso, e a liberdade/ Meteu no solo escravo.”

Os descaminhos dos atos de D. Pedro I, bem como a subserviência aos ditames dos políticos lusos a que se submetiam de bom grado muitos conservadores do Brasil – principalmente os comerciantes ligados ao tráfico de escravos e os membros do partido português – que resistiam às renovações por não quererem perder os privilégios adquiridos com a condição colonial do país, teriam, segundo o poeta, fadado o Brasil a abortar o seu futuro de nação grandiosa:

“Exulta, velha Europa: o novo Império/ Obra prima do Céu! Por fado ímpio/ Não será mais o teu rival ativo/ Em Comércio e Marinha.// Aquêle, que gigante inda no berço/ Se mostrava às nações, no berço mesmo/ É já cadáver de cruéis harpias,/ De malfazejas fúrias.”

Sentimentos patrióticos e ideais de liberdade semelhantes mostram-se no poema “O poeta desterrado”, onde também se vê o poeta lembrar sua luta pela emancipação do país, e, mais enfaticamente do que no poema anterior, condenar a covardia das “almas fracas e vis” que no país persistiam em calar os gritos progressistas e se corromper pelas “falsas honras”:

“Ah! Não digas, ó zoilo, mal do vate,/ Se aos lares seus não volta; acicalado,/ Súbito ferro afogaria o grito,/ Que pela pátria erguesse. // Ali da santa liberdade os filhos,/ Êsses poucos, que restam, foragidos/ Vivem inglórios; pois as honras dão-se/ A perjuros escravos. // Almas fracas e vis! e vós não vedes/ Que o facho horrível, que alumia a senda/ Das falsas honras, acendeis no fogo/ Que abrasa o Brasil todo?”

Como se pode perceber, a poesia nacionalista de Bonifácio, só o é no que diz respeito ao tom político antilusitano de seus versos. Seu espírito clássico não chegou a ser influenciado pela nova mentalidade que vislumbrava reformar as letras e fundar uma literatura verdadeiramente nacional “que fosse no plano da arte o que fora a Independência na vida política e social” (CANDIDO, Formação..., v. 2, p. 12).]

2 comentários:

Base de Pesquisa Formação da Literatura Brasileira disse...

Socorro Guterres comenta em 1-12-2010 a leitura de Andrey:

Andrey, além de expor com propriedade a análise de Candido acerca da geração seguinte àquela que representara “o ponto máximo da contribuição brasileira ao Arcadismo”, faz interessantes digressões, nas quais destaco a alusão à citação do crítico inglês George Saintsbury, perfeitamente adequada à fase em estudo, bem como os comentários sobre José Bonifácio de Andrada e Silva, homem de grande cultura e saber científico, cuja figura política, contudo, ultrapassa o aspecto literário. Desse modo, o Patriarca da Independência deixa como legado obras sem grande expressão. Conforme ressalta Andrey, o espírito clássico de Bonifácio “não chegou a ser influenciado pela nova mentalidade que vislumbrava reformar as letras e fundar uma literatura verdadeiramente nacional”, conservando-se arcádico, sob o epíteto de Américo Elísio. Portanto, a participação do professor Andrey é mais um momento de leitura prazerosa e enriquecedora neste blog.

Base de Pesquisa Formação da Literatura Brasileira disse...

Antonio Fernandes de Medeiros Jr
comenta a leitura de Andrey
[12-12-2010]:

A leitura de Andrey desse trecho do Formação da Literatura Brasileira além de consignar passo a passo as informações veiculadas por Antonio Candido se estende incorporando duas Digressões importantes – conforme Socorro Guterres já assinalou. Destaco a primeira delas centrada no fragmento transcrito: “os limites de uma tendência estética podem ser apreciados com vantagem nos cultores secundários”. De fato, a acuidade da observação pontual de Antonio Candido pode ser ampliada e compreendida como recomendação ao estudante de literatura brasileira no sentido de investigar a vasta produção subjacente aos textos e autores canônicos, para examinar autores e obras com baixa cotação na “bolsa de valores literários”, ou se quisermos editoriais ou destituídos da visibilidade, os sem divulgação. A literatura brasileira do século XX contém inúmeros casos ilustrativos de autores e obras disponíveis à leitura de qualificação. Coube a José Paulo Paes perceber uma ramificação desse ponto de vista de Antonio Candido em pelo menos dois textos lúcidos abordando o tema: “Por uma literatura de entretenimento (ou: O mordomo não é o único culpado”) e “As dimensões da aventura (sobre o romance de aventuras)”, ambos incluídos em A aventura literária, Companhia das Letras, 1990.