sexta-feira, 13 de março de 2009

Massimo Pinna [14-3-2009]

Belo Horizonte: Itatiaia , 2000. p. 66 - 69


Cap. I, 5: A presença do Ocidente


Antonio Candido lembra que no século XVIII, além da centralidade da razão, a naturalidade, presente em dois aspectos, formalismo e sentimentalismo, representou um ponto essencial da expressão literária, tendo encontrado a sua máxima realização no equilíbrio entre estes dois elementos através das obras de Basílio da Gama, Silva Alvarenga e Gonzaga.

Nesses escritores o encontro espontâneo da razão e do sentimento levou a um resultado satisfatório, assegurando “uma tonalidade universal e artisticamente elaborada à expressão literária”.

No Brasil, em razão de sua condição “periférica”, é preciso indicar a influência do Arcadismo – o qual, lembre-se, abrange tanto o Classicismo como a Ilustração – como também evidenciar que ele constituiu uma literatura capaz de incorporar-se à cultura do Ocidente.

Entre 1750 e 1880 quatro grandes temas nortearam a formação da literatura brasileira, junto a uma progressiva formação da consciência nacional: o conhecimento da realidade local; a valorização das populações aborígines; o desejo de contribuir para o progresso do país; a incorporação aos padrões europeus. Dentro dessas linhas a literatura da época se expressará, comprovando as suas peculiaridades.

Tudo isso representa uma pessoal leitura estético-filosófica da tradição européia no Brasil, leitura que fez com que se criasse – finalmente – uma literatura brasileira orgânica, transformando, por exemplo, o racionalismo em filantropia, a moda pastoril em valorização do índio e o culto da natureza em exaltação do pitoresco.

Escritores como “os mineiros”, Sousa Caldas, José Bonifácio, Hipólito da Costa, favoreceram o nascimento da literatura brasileira e conseguiram fazê-lo, em muitos casos, com aprazível gosto estético e consciência intelectual da própria missão.

Ferdinand Denis Garrett, em seu Bosquejo da História da Poesia e da Língua Portuguesa, de 1826, critica a “inútil presença” da influência cultural grego-romana na produção desses escritores. Num trecho dessa obra citado por Candido, afirma que os árcades não conseguiram ser originais, mesmo tendo à disposição um novo cenário para se inspirarem: o Brasil. Falando especificadamente de Gonzaga, diz que este não soube descrever a natureza peculiar do Brasil e, portanto, não alcançou uma verdadeira autonomia.

Antonio Candido, lembrando que dessa forma surgiu a teoria da literatura brasileira, onde a análise do brasileirismo representa, até hoje, o critério principal, evidencia – em contraponto à análise de Denis Garrett – que o cenário americano nunca seria suficiente para proporcionar essa autonomia e que somente uma pessoal visão do mundo, que “transforma a natureza física numa vivência”, poderia alcançá-la. Como exemplo, Candido releva que Silva Alvarenga, apesar de ter usado palavras como onça, gaturamo, cobra ou mangueira, continua sendo esteticamente neoclássico. Pelo contrário, Tomás Gonzaga, que não usa uma terminologia “americana”, é mais romântico porque “sofre o processo de decomposição do Neoclassicismo”.

Candido afirma que essa tão desprezada “quinquilharia grego-romana” pode ter favorecido a integração cultural entre o Brasil e o Velho Mundo, permitindo aos poetas lusófonos, através da imitação da Antiguidade, associar uma peculiar categoria estética à própria produção literária.

Já que a época exigia uma literatura universalista, os escritores conseguiram essa universalidade através da presença de uma linguagem comum à cultura européia, realizando os votos do intelectual brasileiro, expresso nos versos de Cláudio:
Cresçam do pátrio rio à margem fria
A imarcescível hera, o verde louro

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