sexta-feira, 6 de março de 2009

Marcos Falchero Falleiros [6-3-2009]


Editora Martins, 1971:
DE: p. 67: Razão, verdade, natureza são portanto uma coisa só
ATÉ: p. 70: cultura orientada pela razão, a verdade e o culto da natureza.




Vimos na passagem anterior, apresentada pelo Marcel, a equação beleza = razão – verdade – natureza. A tríade se dá como uma unidade inter-relacionada, já que a razão está na natureza e entre elas está a verdade, que cabe à arte obter pela síntese singela em busca da beleza. Esse padrão chega ao século XVIII, sob influência do Classicismo francês, quando a tendência pelo verdadeiro terá da mimesis [a condição da arte] uma expectiva de fidelidade e não de invenção, assim como o sentido da arte estará voltado para a sinceridade das emoções e dos problemas intelectuais e políticos em oposição à sua função de deleite estético.


De Leopardi a Rousseau, da tipologia política de Montesquieu ao elogio de Voltaire a Pope, encontraremos a tríade de simplificação racional, que dará à literatura o sentido da utilidade e dos temas filosóficos. Daí a busca do verdadeiro envolver também a verdade científica e social nas propostas neoclássicas, que cobrarão, em seu nome, também a adequação da sociedade civil aos fins da razão. É o que traduz a Henriade [a epopéia de Voltaire] quando
em seu “asseio lapidar”, como diz Antonio Candido, pede aos reis que escutem e sejam educados pela força e clareza da Verdade, a substituta dos heróis e dos grandes feitos épicos.



Se o homem é extensão da natureza, as leis sociais terão portanto igual possibilidade de objetivação — o que favorece o embrião das ciências humanas no século XVIII e da idéia de progresso, configurada desde quando a revolução teórica de Montesquieu indicou que, pelo conhecimento adequado das leis objetivas da vida social, a humanidade poderia modificar-se no rumo de uma melhoria gradual.


A nossa Ilustração


Ao contrário dos países modelos, o Século das Luzes entre Brasil e Portugal foi tacanhamente beato, escolástico e inquisitorial. Mas ainda que discutível, a presença entre nós do despotismo esclarecido de Pombal foi progressista, desarticulando o poder clerical, como no caso da Companhia de Jesus, e promovendo de algum modo uma renovação mental, em que se pode ver na produção poética de seu período, por trás da intenção adulatória a sua figura, a concepção ilustrada do que seria um bom governo, revelando, na atmosfera difusa de nosso ambiente intelectual, um composto de Ilustração, pombalismo e nativismo, que permitiu aos brasileiros produzirem as expressões mais significativas do pombalismo literário: o Uraguai (1769) de Basílio da Gama (antijesuítico); O desertor (1771) de Silva Alvarenga (pela reforma intelectual); O reino da estupidez (1785) de Francisco de Melo Franco (contra a reação no tempo de D. Maria I).




Junto a outras obras, estas representam o eco brasileiro, luso-brasileiro, das idéias modernas, formando o cadinho ideológico de nativismo, da propaganda do saber, do bom governo e do otimismo utópico, à Rousseau, em que uma mistura de sonho e realidade espera pela educação do homem natural das florestas americanas, criando desde aí uma constante em nosso intelectual: o plano salvador.



Na verdade, somente com a vinda de D. João VI, o Brasil teve modestamente a sua Época das Luzes, com as bases da Independência sendo formadas a partir de uma dinâmica de entrosamento governamental e intelectual. Se a poesia do período foi de qualidade inferior, por outro lado, respondiam às tendências didáticas da Ilustração o jornalismo e o ensaísmo excelentes de Hipólito da Costa, Frei Caneca, Evaristo da Veiga, pensadores liberais que ao lado de “realistas”, conservadores igualmente ilustrados e progressistas, elaboraram os diagnósticos do país e os meios para que uma literatura efetivamente brasileira tomasse corpo. O cristianismo e a filantropia professados por José Bonifácio não eram mais clericalismo, mas a cultura de maçons, com ou sem batina, voltada à razão, à verdade e à natureza, que Pedro II e os jovens românticos a seguir iriam herdar.

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