sábado, 8 de novembro de 2008

Kalina Naro Guimarães [08-11-2008]



6ª ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 1981.

DE: p. 50 – “Para ele a poesia não era puro deleite (e, portanto, coisa somenos)”...
[segunda página do subitem Cândido Lusitano, do cap. 2 Razão e imitação]

ATÉ: p. 54 – ... “obras é prova segura e infalível de que elas devem ser admiradas”.



Como já indicou Joana na leitura anterior à minha, Candido observa que a contribuição teórica de Francisco José Freire [Cândido Lusitano] posicionou-se em relação à própria importância e função da poesia: ou esta é relevante e merece atenção, ou ela é secundária, podendo, por isso, ser desconsiderada. No interior desse problema, Freire, justificando o trabalho poético, considera que a poesia serve também para edificar o homem, sendo, portanto, “útil ao progresso moral”.



Contudo, Freire aponta não só o caráter instrutivo da poesia, mas também salienta o elemento arrebatador, “o furor poético”, demonstrando uma compreensão e sensibilidade mais apurada, fruto da influência do arcadismo italiano, marcado pela doçura e musicalidade que suavizou o peso didático e racionalista da Ilustração. Todavia, Candido ressalva que o elemento imaginativo não se deve à inspiração gratuita, mas ao trabalho do poeta, enquanto artífice. O deleite do leitor dependerá da novidade, vinculada à beleza e a doçura, trazida pela matéria poética. A beleza configura-se na forma racional, enquanto que a doçura refere-se ao elemento afetivo, capaz de mover o ânimo do leitor.



Dessa maneira, Freire ao vincular a imaginação ao labor artístico enfatiza menos a liberdade do que o domínio e o controle sobre o poético. Ao defender que o “próprio vôo poético deve ser usado com moderação e sem perda da tonalidade racional do poema”, o autor enquadra a sensibilidade e a fantasia no contexto racional, cerceando o espaço que concedeu a esses elementos.



Um aspecto fundamental, para Freire, corresponde à verossimilhança da poesia, na qual a obra teria sua utilidade e seu deleite assegurados. Para o tratadista, o verossímil não se refere, fundamentalmente, à fantasia, mas à aproximação com o verdadeiro objetivamente constatado. Vemos, por conseguinte, que a criação não é concebida como arbítrio, entendimento pouco provável para um neoclássico, mas há um esforço de equilibrar linguagem e realidade, desencadeando uma expressão moderada que atende à verdade poética, composta de “perfeições reais, não de desconcertos, ou ilusões aéreas”.



Candido finaliza indicando a verossimilhança, na acepção definida por Freire, como critério de validade da poesia arcádica. Assim, por um lado, a obra deveria aproximar-se da natureza das coisas, possuindo uma imaginação fiel à razão; por outro, ela deveria apresentar uma linguagem racional, fruto da instrução e da inteligência do poeta.




Busca da Comunicação


Nesse item, Candido aponta que um critério útil para a diferenciação dos períodos e das escolas diz respeito à destinação pública da literatura. Em sua visão, o escritor árcade prefigura um público de salão, pois suas obras desejam ser instrumento de comunicação entre os homens. O Arcadismo, pois, é consciência de integração: as obras se ajustam ao espaço natural, social e literário, decorrendo daí a estética da imitação, pois o poeta tenta reproduzir não somente a realidade, mas também os modelos literários dos autores da Antiguidade, estes tomados como paradigmas, cuja conformidade é digna de orgulho, já que a antiga e constante admiração pelas obras dos antigos é prova infalível do mérito estético desses textos.



Esse processo mimético favorecia a inteligibilidade da obra haja vista que, para o leitor com boa formação humanística, as referências que o poema agencia são conhecidas, pois elas já são relativamente dadas pelo âmbito social, estético e cultural. Assim, os escritores não apresentavam nas obras casos particulares ou a condição individual do homem, mas devotava seu interesse para as situações e emoções genéricas. Não raro, o poeta, no exercício do verso, recorria às grandes circunstâncias da vida, à convenção bucólica, às situações e sentimentos da mitologia e da história greco-latina, preferindo, assim, o universal ao particular.



Candido pondera que, para o gosto atual, na literatura arcádica falta a individuação capaz de construir uma perspectiva que capte a experiência sob o ângulo pessoal do poeta. A partir de dois versos, tomados como exemplo, o autor acrescenta que, mesmo nas poesias mais pessoais do século XVIII, há nelas o vestígio do diálogo “a evitar uma provável solidão”.

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